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quinta-feira, 17 de junho de 2010

"No Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é." Viveiros de Castro, fundador de uma nova escola na antropologia, segundo Lévis-Strauss

http://poars1982.wordpress.com/2008/09/16/no-brasil-todo-mundo-e-indio-exceto-quem-nao-e/

Tem uma parábola que Marshall Sahlins conta em seu livrinho Esperando Foucault, que é mais ou menos assim: Há um lugar no planeta, no extremo ocidente, onde vive um povo muito interessante, e que há cerca de uns seiscentos anos atrás se achava inteiramente desprovido de cultura. Ele havia perdido toda a sua cultura ancestral ao cabo de inumeráveis invasões de bárbaros, de sucessivas catástrofes, pestes, epidemias, mudanças climáticas. A partir de certo momento, porém, esse povo começou a se reinventar, com a ajuda de manuscritos, documentos e monumentos antigos escritos em uma língua ou erguidos segundo princípios que eles não entendiam, e começaram a criar uma cultura artificial: começaram a imitar uma arquitetura de que só conheciam ruínas ou descricões em velhos escritos, faziam traduções vernáculas de línguas mortas a partir de traduções em outras línguas, tiravam conclusões delirantes, inventavam segredos perdidos inexistentes, tradições esotéricas perdidas… Como se sabe, esse processo, que se passou na Europa ali mais ou menos entre os séculos XIV a XVI, ganhou o nome de Renascimento. O Ocidente moderno principia ali.
O que é o Renascimento? Os europeus — mistura étnica confusa de germânicos e celtas, de itálicos e eslavos, que falam línguas híbridas, muitas vezes pouco mais que um latim mal falado, crivado de barbarismos, praticando uma religião semita filtrada por um equipamento conceitual tardo-grego, e assim or diante — descobrem a literatura e a filosofia gregas via os árabes. Refiguram o mundo grego, que não era o mundo grego (ou greco-romano) histórico, mas uma “Antiguidade clássica” feita de fantasias e projeções do presente. Erguem templos, casas, palácios, escrevem uma literatura que se refere privilegiadamente a esse mundo, uma poesia imitando a poesia grega, esculturas que imitam as esculturas gregas. Lêem Platão de modos inauditos. Enfim: inventam, e assim se inventam. Como diz Sahlins: pois é, quando se trata dos europeus, chamamos esse processo de Renascimento. Quando se trata dos outros, chamamos de invenção da tradição. E conclui: alguns povos têm toda a sorte do mundo."

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